Quem sou eu

Minha foto
Porque somos feito as estações, sempre mudando...

sexta-feira, 5 de julho de 2019

A ÁRVORE QUE FLORESCE NO INVERNO

Os sinais eram inequívocos. Aquelas nuvens baixas e escuras... O vento que soprava desde a véspera, arrancando das árvores folhas amarelas e vermelhas. É, o inverno estava chegando. Deveria nevar. Viriam então a tristeza, as árvores peladas, a vida recolhida para funduras mais quentes, os pássaros já ausentes, fugidos para outro clima, e aquele longo sono da natureza, bonito quando cai a primeira nevada, triste com o passar do tempo... 
Resolvi passear, para dizer adeus às plantas que se preparavam para dormir, e fui, assim, andando, encontrando-as silenciosas e conformadas diante do inevitável, o inverno que se aproximava. E foi então que me espantei ao ver um arbusto estranho. Se fosse um ser humano certamente o internariam num hospício pois lhe faltava o senso da realidade, não sabia reconhecer os sinais do tempo. 
Lá estava ele, ignorando tudo, cheio de botões, alguns deles já abrindo, como se a primavera estivesse chegando. 
Não resisti e, me aproveitando de que não houvesse ninguém por perto, comecei a conversar com ele, e lhe perguntei se não percebia que o inverno estava chegando, que os seus botões seriam queimados pela neve naquela mesma tarde. 
Argumentei sobre a inutilidade daquilo tudo, um gesto tão fraco que não faria diferença alguma. Dentro em breve tudo estaria morto... E ele me falou, naquela linguagem que só as plantas entendem, que o inverno de fora não lhe importava, o seu era um ritmo diferente, o ritmo das estações que havia dentro. 
Se era inverno do lado de fora, era primavera lá do lado de dentro dele, e seus botões de flor eram um testemunho da teimosia da vida que se compraz mesmo em fazer o gesto inútil. As razões para isso? Puro prazer. 
Ah! Há tantas canções inúteis, fracas para entortar o cano das armas, para ressuscitar os mortos, para engravidar as virgens, mas não tem importância, elas continuam a ser cantadas somente pela alegria que contêm... 
E há os gestos de amor, os nomes que se escrevem em troncos de árvores, preces silenciosas que ninguém escuta, corpos que se abraçam, árvores que se plantam para as gerações futuras, lugares que ficam vazios, à espera do retorno, poemas inúteis que se escrevem para ouvidos que não podem mais ouvir, porque alguma coisa vai crescendo por dentro, um ritmo, uma esperança, um botão pela pura alegria, um gozo de amor. E me lembrei de um pôster que tenho no meu escritório, palavras de Albert Camus: "No meio do inverno eu finalmente aprendi que havia dentro de mim um verão invencível". 
E aí a alucinação teológica tomou conta da minha cabeça e me lembrei de uma velha tradição de Natal, ligada à árvore. As famílias levavam arbustos para dentro de suas casas. E ali, neve por todas as partes, elas os faziam florescer, regando-os com água morna. Para que não se esquecessem de que, em meio ao inverno, a primavera continuava escondida em alguma parte. 
Inverno: o frio, a neve, o silêncio, a morte. 
Quando as plantas florescem na primavera, ali os homens escrevem os seus nomes. Mas quando as plantas florescem no inverno, ali se escreve o nome do Grande Mistério... 

(Rubem Alves)

                                    (Foto de Rose A.)

12 comentários:

  1. Que minutos lindos de leitura tive aqui,exatamente nunm dia de muito,muiiiiito frio, vento, inverno mesmo e um cansaço enorme...Foi lindo e sei que embora meu tronco esteja arranhado pelo tempo, descascado, folhinhas novas nascem em mim,com minha vontade de ainda muito fazer... Horas há de intenso cansaço e desânimo diante das realidades, mas depois aparece uma folhinha se mostrando e ME mostrando da e sobre a vida! ADOREI! beijos, lindo fds! chica

    ResponderExcluir
  2. Boa noite de paz, querida amiga!
    Temos muito em comum pelo seu gosto com o que posta. Os escritores mencionados são de minha preferência também.
    Que imagem final bela!
    Tenha um excelente fim de semana!
    Bjm carinhoso e fraterno de paz e bem

    ResponderExcluir
  3. Magnífico texto de Rubem Alves. Quando estava a ler também lembrei Albert Camus.
    Uma boa semana.
    Um beijo.

    ResponderExcluir
  4. Olá Sônia,
    tive aqui, um momento de leitura mágica!
    Sabe, me identifiquei muito com a frase"No meio do inverno eu finalmente aprendi que havia dentro de mim, um verão invencível".
    Beijos, Deus cuide sempre de ti.

    ResponderExcluir
  5. Que lindo texto!
    Eu não conhecia e adorei ler aqui.
    Beijinhos
    Ana Lúcia

    ResponderExcluir
  6. querida amiga, que texto lindo. Refleti o quanto é importante sabermos vivenciar nossas estações internas, e sabermos tirar de cada uma o que tem de melhor e seus ensinamentos. Amo a primavera e o verão. Sou solar, mas adoro curtir cada novo momento. Que nos invernos externos e internos saibamos ser colo que acolhe, sorriso que encanta, palavra que abraça e mãos que acalentam.
    bjoss

    ResponderExcluir
  7. Sonia , agradeço a partilha .
    Rubem Aves nos faz refletir intensamente sobre a vida . Beijos e boa semana .

    ResponderExcluir
  8. Que texto incrível, Sônia!
    Magnifica partilha! Adorei essa história da plantinha, que se orientava pelo seu próprio ritmo, nesta fabulosa reflexão do grande Rubem Alves!
    No meu último post, também publiquei uma imagem de um jardim, pelo qual passei há alguns dias atrás, o qual tinha um recanto com arbustos, que desafiavam toda a lógica... pelo menos a minha, pois ainda não tinha visto folhagem em tom de vermelho tão vivo... na altura até pensei... ora aqui está uma planta, que resolveu ser a excepção, em vez de seguir a regra... pois normalmente associamos os avermelhados, a tons outonais... mas aqui estamos em pleno Verão...
    É sempre uma grande mais valia, passar por aqui, Sônia! Adorei cada palavra!
    Um beijinho grande! Votos de uma óptima semana e continuação de um excelente mês de Julho!
    Ana

    ResponderExcluir
  9. Um texto lindíssimo.
    Obrigada pela partilha
    Abraço

    ResponderExcluir
  10. Maravilha de reflexão.
    Adoro Rubem Alves.
    Boa continuação de semana.

    ResponderExcluir
  11. Rubens tem razão! "Quando as plantas florescem na primavera, ali os homens escrevem os seus nomes. Mas quando as plantas florescem no inverno, ali se escreve o nome do Grande Mistério... " Adoro este texto! Beijinhos

    ResponderExcluir